segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Onde foi parar?


Depois de 2 meses e meio me perdendo e me achando nessa cidade, volto aqui mais uma esporadica vez para declarar minha humilde admiracao, minha grande preocupacao e minha dedicacao aquelas pessoas que nao raro se arrancam belos sorrisos, pessoas que so faltam com sinceridade quanto maior a repressao, pessoas que demonstram pureza que supera sofrimento e tristeza. Sempre curiosas , dispostas e animadas, sao pessoas que como qualquer outras, estao condicionadas a serem humanas, mas as sao de maneira tao bonita e singular, que a mim servem como exemplo, me inspiram, me despertam a espontaneidade que nao se faz muito presente na hipocresia do dia a dia. E no mundo cagado em que dividimos nossas historias, me alimentam de coragem para aqui expor meus anseios, minhas duvidas, ate mesmo minha revolta a maneira como sao tratadas e finalmente, minha plena conficanca nelas.
Estou quase certa que nao e dificil saber quem sao...Aqui conhecidas como "watoto" pelo dialeto, sao as criancas a que me refiro. Nao precisaria ser tao obvia para esclarecer que nao falo apenas pelas criancas de Nairobi, mas as uso como exemplo da minha mais proxima convivencia nesses ultimos dias, que tem sido para mim, uma verdadeira escola da vida.
Ha algumas semanas atras, desenvolvia um projeto de conscientizacao a HIV/AIDS com alguns colegas numa escola. Tema disseminado frequentemente pelas ONGS e demais instituicoes locais, parecia certo que esse projeto seria como tantos outros ja feitos anteriormente.Pode ate ter sido, mas posso garantir que os resultados foram otimos, uma vez que nao se resumiu a um palestrante vomitando informacoes sobre um conteudo tao denso e delicado que e a AIDS.Isso porque no segundo dia dessas aulas, eu estava doente e mal conseguia falar. Foi entao que me veio a cabeca uma ideia de ultima hora...Pedi para que cada um dos alunos, que tinham por volta dos seus 13 anos, se levantasse e tomasse a posicao do professor/palestrante, devendo falar alguma coisa que tinham apreendido ou escutado sobre o tema ou perguntar para os demais colegas, qualquer duvida relacionada a doenca. No comeco timidos, foi so depois que o primeiro estudante comprou o meu jogo e se dirigiu a frente da sala, que os outros tomaram coragem e em seguida fizeram o mesmo. E assim sentei com os demais alunos, interferindo apenas quando por empolgacao o assunto tomava outros rumos, que tambem seriam interessantes se tivessemos mais tempo. Esse curto processo de troca foi suficiente para perceber a facilidade com que eles desenvolveram novas ideias que na maioria das vezes vinham do confronto entre opinioes. E mesmo sem saber o conceito de dialetica, foram capazes de aplica-la na pratica, sempre colocando as demais visoes sobre o mesmo assunto. Esse bate-papo dinamico e por eles mesmos disciplinado levou-nos ate mesmo a uma bela discussao sobre religao, onde muculmanos e cristaos debatiam sobre a maneira repressora com que ambas as religioes tratam as pessoas com AIDS. Foi impressionante como eles falavam abertamente e sem ofensas sobre assuntos tao cheio de tabus, acho que ate Foucault ficaria chocado!
Essa experiencia inicial foi o suficiente para que eu utilizasse esse metodo para qualquer trabalho com criancas. Depois desse dia, exemplos nao me faltam para provar a imensa capacidade criativa que se tem quando moleque. Mas infelizmente tambem nao me faltam exemplos de como ela e brutalmente reprimida e acaba se perdendo. Seja pela familia, pela religiao ou pela escola, que me parece a pior delas, o encantamento com a vida,a auto-estima e a capacidade de superacao envelhecem e morrem antes mesmo de se chegar a vida adulta.
Ai eu me pergunto, se todas essas instituicoes sao formadas por aqueles que um dia foram criancas,
Onde foi parar toda essa disposicao?
Se eu, que um dia fui crianca, as vezes me reprimo por certas atitudes infantis. Onde foi parar toda a minha fantasia?
Tenho certeza que muitos adultos tristes e insatisfeitos, um dia foram criancas como as que conheco por aqui, capazes de tirar proveito de qualquer situacao, mesmo que machuque, capazes de dar um sorriso mesmo que tristes por dentro, so para alguem alegrar.Onde foi parar o mundo ludico que viviam e nele umdia tentaram achar solucoes para qualquer problema do mundo real?
De que adianta investir em educacao, acreditando-se assim na construcao de um futuro melhor, se as escolas modelam o comportamento de seus alunos como verdadeiras maquinas?
Acreditar que as criancas de hoje sao o futuro do amanha seria, na minha visao de freiriana amadora, reproduzir mais uma vez esse sistema que muitas criancas exclui e poucas favorece, seria mais uma vez investir em escolas que produzem trabalhadores para repetir um sistema fodido. E por isso que eu prefiro acreditar que elas nao sao o futuro de amanha, mas que podem ser a transformacao do presente se assim o quisermos. E tenho certeza que isso seria possivel, apesar de dificil, se criancas crescidas como eu,sortudas,que tiveram a chance de estudar e ate criticar o proprio sistema de ensino e por isso se fazem pessoas com voz, compartilhassem suas respostas e seus pensamentos...
OBS: perdoem o portugues ordinario, teclado configurado em ingles imutavel..

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Tanque vazio


Viajando pela grande Nairobi há algumas semanas me parece que tanto preciso escrever sobre muito...Queria mesmo era relatar detalhe por detalhe , queria eu escrever o tamanho dessa cidade, ou pelo menos desenhar os enormes arranha-céus que muito me lembram Sao Paulo, a imensidao dos eus e voces que andam pelas calçadas, já apertadas por conta dos carros que preenchem cada espaço das avenidas. Queria tambem poder compartilhar com os demais ouvidos, o alto som das "HIP HOP musics" que escuto todos os dias quando entro em um Matato. Queria deixar claro que Matato é o meio de transporte mais utilizado em Nairobi e que ele varia em seu tamanho e preço, a depender do cobrador e da regiao, mas a febre do HIP HOP é comum a quase todos eles e em overdose de decibels. Queria mostrar ao vivo o sorriso que tenho estampado no rosto em algum momento todos os meus dias, ao ser surpreendida por algum queniano, seja mulher seja piá, seja crianca seja coroa, alguem sempre tem alguma historia de bondade, de carinho, de simpatia, de angustia, de camaradagem e ate de malandragem, no bom sentido brasileiro. Queria poder preparar um belo banquete, com os deliciosos pratos tipicos a base de milho, feijao e batata, que nao carecem de garfos para serem saboreados.Queria mesmo era saber falar o swahili, que é o dialeto oficial do Quenia e também da Tanzania. Queria corrigir o google quando ele diz que o idioma oficial é também o ingles. Tudo bem, é verdade que aqui todas as pessoas falam e dominam o Ingles, mas no dia a dia, o Ingles se resume a uma disciplina obrigatória nas escolas ou na comunicaçao com algum gringo, o que todos falam orgulhosamente é o Swahili. Ainda sobre línguas, queria eu penetrar nos mais diversos dialetos das mais diversas tribos que juntas caminham pelo centro da cidade, com suas histórias de vitórias, de sofrimentos, de lutas, de tradicoes e saudades.
E para aqueles que cruzaram próximas fronteiras para aqui estar, queria por eles poder gritar para o mundo a tristeza e a dor que sinto quando escuto suas histórias, como a de algumas amigas somalianas, que de tanto quererem bem a sua terra, de lá tiveram que sair a força, trazendo para cá a vontade de viver, a esperança de que tudo mude um dia e que, em um lugar onde nem a ONU consegue se fazer muito presente, a mobilizacao pela paz seja geral.
Queria fazer com que algumas pessoas que conheci sejam reconhecidas mundialmente pela sua nobreza, porque muito mais do que qualquer projeto ou premio internacional, só o que elas querem é ganhar uma vida melhor para suas comunidadedes. E nos grandes aglomerados urbanos, que fazem de Nairobi a capital com as maiores favelas do Sul da Africa, lá estao esses cidadaos, olhando por suas crianças, lutando por escolas, por hospitais, por eletricidade, por tudo o que eles sentiram na pele um dia precisar.
Queria poder chutar, quebrar, queimar qualquer estigma que as pessoas tem sobre a Africa ou pelo menos sobre esse cantinho de Africa que é o Quenia.
Queria tudo isso e mais um pouco, mas como sei que pouco tempo tenho para gastar na internet, resolvi querer falar apenas sobre o tanque vazio. Desde que cheguei aqui, todo o pais está sofrendo com com a falta de agua por conta da falta de chuva. Claro que nos bairros mais burgueses (nao me acuse, pois sou totalmente tendenciosa e pessoal em meu comentários e tenho plena consciencia disso) a água corre como se viesse direto da rebanceira. Mas nos outros bairros e principlamente nas favelas, agua tem sido coisa rara, motivo de festa quando saem direto das pias ou chuveiros, porque se nao a de se procurar um fonte em alguma visinhança afastada, encher os baldes e entao levar para casa. Mas foi só assim que eu percebi, como em uma cidade grande como essa, assim como em minha grande Curitiba ou qualquer outro grande centro urbano, o desperdicio esta em todos os cantos e parece inevitavel. Parece que todos os dias os carros precisam ser lavados, as calçadas tambem precisam estar impecáveis, as pessoas precisam lavar suas roupas todos os dias, tomar banho e puxar a descarga.... Puxar a descarga foi para mim a experiencia mais chocante. Quando estava me acostumando com a tarefa de rotina que é levar a água em um balde de um lado para outro,percebi que a mesma quantidade de agua que eu uso para tomar um banho e até lavar uma ou outra peça de roupa, é a mesma quantidade de água que preciso para encher o tanque vazio da privada, para limpar um mijo ou um cocozinho. E ai mobilizo todos os os 14 moradores da minha casa para que eles aguentem o odor nauseante do banheiro ao maximo para economizarmos o maximo de descaga possivel, e mesmo assim, eles ainda esquecem a torneira aberta nos dias em que se tem agua, água essa que vaza das bacias e seca ao sol...
Entao, nesses últimos dias, minha mente tem estado cheia de pensamentos e questionamentos sobre a agua, mas ao mesmo tempo parece um tanque vazio em termos de respostas ou soluçoes...

terça-feira, 28 de julho de 2009

Tem que remar e remar


Sou eu a Mari, nascida e criada em Curitiba (com parte da infância na saudosa cidade interiorana de Ponta Grossa), bicho do Paraná, que até então nem nunca tinha saído desse maravilhoso país, onde mesmo que poucas vezes fui atrás das mais incríveis descobertas...Agora estou embarcando em voo internacional para Nairobi, a princípio, para passar um ano.
Foram diversas as reações quando despejei na bucha esssa novidade. Falas como "Nossa, vai fazer o que lá?" "Caralho, que tesão" "Porque o Quênia?" "Tenho muita pira de ir pra Africa" se tornaram comum nesses últimos dias, em que experimentei intensamente novos pensamentos, questionamentos e quebras de conceitos que me levaram a escolher aquele pais..Talvez a principal delas tenha sido a primeira vaga de trabalho pela qual me interessei. Sobre isso, muitas pessoas também se interessaram e perguntaram como eu consegui essa oportunidade. Foi por meio da Aisec, uma organização que foca no desenvolvimento pessoal e profissional de seus membros com o objetivo de causar impactos sociais positivos e com essa finalidade,promove intercâmbios profissionais em diversas áreas (Site:http://www.aiesec.org.br). No meu caso, esse intercâmbio é voltado para o desenvolvimento social. Vou trabalhar em uma ONG que desenvolve projetos relacionados a AIDS/HIV em duas das maiores comunidades de Nairobi (Mathare e Huruma), lugares que, segundo notícias internacionais - nunca disseminadas pela voz de quem vive nesses lugares e poderiam falar com maior segurança sobre a situação em que se encontram - incide um grande número de pessoas infectadas pelo vírus da AIDS, de crianças que perderam seus pais por conta da doença, de desempregados, da falta de perspectiva de vida entre seus moradores. Mas a minha intenção é outra, é de fato vivenciar o dia-a-dia dessas pessoas, é descobrir como a cultura afro ainda consegue viver e se fazer valer por maior que seja a opressão sofrida por seus praticantes, é acompanhar um novo estilo de vida e sem dúvida chocar e muito aprender com ele. O meu entusiasmo com essa vaga foi seguido pela enorme curiosidade de desvendar e desbravar a Africa, que seja pelo menos um país, país esse que já me chamava atenção por suas conhecidas belezas naturais,por conhecidos quenianos simpaticos e por sua curiosa história.
"A walk in Nairobi" quase que ao pé da letra, pois a minha intenção nesse blog é justamente essa, caminhar, passear ou simplismente andar por Nairobi, falar sobre ela tudo o que eu conseguir enxergar com essas minhas lentes de uma cidadã curitibana, que por sorte de nascência, conseguiu se fazer menina estudada, de raras oportunidades no imenso país de onde venho e que raras também são essas oportunidades para o Quênia para onde vou...
Dizem Naiorobi uma grande cidade da costa lesta da Africa, a maior delas, mas não se diz dela, em nenhum guia turístico, aquela que padece de tantas necessidades, como toda cidade que dizem economicamente desenvolvidas. Tal como em nosso Brasil, com nossos recantos praianos, ribeiros, sertanejos, pantaneiros, onde se presenteiam os contrastes de um povo com tão rica cultura se chocando na única direção a que tende a cultura global.
Por isso, para penetrar de vez nesse todo novo, ainda tenho que remar e remar. Remar muito além do Atlântico Sul...
Tentar vou, sempre que possível, atualizar o blog para manter meus assíduos leitores (mamãe) em dia com o meu dia-a-dia.
A todos que quiserem receber, um grande abraço.

OBS: Certamente vou dar meus pulinhos fora de Nairobi e quissá até do Quência, por isso, por vezes não vou me limitar apenas a essa cidade.